Trata-se provavelmente de um dos exemplares comemorativos da Decennalia do principado em 108 ou do segundo Triunfo sobre os Dácios em 107.
Difundidas, como de costume, por toda a extensão do império, quatro réplicas deste tipo ainda se conservam: endossando o paludamentum e o baldeus dos generais romanos ou exibindo o peito nu, a autoridade serena destes bustos parece exprimir, em consonância com o programa ideológico de ruptura com Domiciano, um deliberado contraste com o pathos da retratística flaviana.
Foi notada, nas imagens de Trajano, a adesão ao ideal neo-augusteano de simplicidade do modelado, concisão e controle expressivo. O ideal de uma restauração do equilíbrio augusto entre liberdade e principado – elaborado desde os elogios que lhe tecem Tácito, Dio Crisóstomo, Plínio o Jovem, Florus e outros – acaba por se cristalizar na fórmula felicior Augusto, melior Traiano, reportada por Eutrópio, com a qual o Senado romano viria a aclamar os imperadores a partir do século IV.
O binômio Augusto / Trajano acusa-se na retratística trajaniana e foi bem detectado pela literatura moderna, que aponta semelhanças em detalhes do penteado, mas também similaridades de tipologia, como é o caso das estátuas de corpo inteiro de Trajano com sua couraça militar, que seguem de perto as de Augusto como imperator, segundo o modelo do Marte Ultor do templo do Foro de Augusto em Roma, tal como o da villa de Lívia em Primaporta, conhecido pela cópia de idade tiberiana, hoje no Vaticano. Se, ademais, como foi repetidamente notado, o retrato de Augusto mantém-lhe o aspecto invariavelmente jovem ao longo dos mais de quarenta anos em que exerceu o poder, chegado ao poder aos 42 anos, tampouco Trajano envelhece em seus quase vinte anos de principado.
É fácil entender a razão desta indiferença à parábola biográfica: em uma extensão geográfica e jurídica notavelmente maior que a de Augusto, a efígie de Trajano, expressão visual da Auctoritas Principis, detinha o poder de oficializar apostasias e quaisquer outras sentenças emitidas pelos tribunais romanos, como, de resto, de garantir a veracidade dos pesos e medidas, a autenticidade de um documento e ainda o teor de metal dos meios de pagamento.
Se o imperador “era duplo”, como afirma Paul Veyne, posto que “ao mesmo tempo função e indivíduo”, caberá ao retrato imperial, de Augusto a Trajano, fundir esta duplicidade em uma síntese visual sem precedentes na arte romana.
Luiz Marques
12/04/2010