“Desde a primeira metade do século XIX, a associação entre o
artista e a morte assombrara a imaginação romântica e não
por acaso François-René de Chatéaubriand dá em 1849 às suas
memórias o título de Mémoires d´outre-tombe. Mas nos
anos 1880, o que toma de assalto o imaginário da pintura é a
associação, não já entre o pintor e a morte, mas entre a
pintura e a morte.
Em 1882, neste Interior de ateliê de Léon Fréderic
(1856-1940), pintor belga então integrando o grupo
L´Essor, a morte está no lugar convencional do modelo
do pintor. Ela é, ao mesmo tempo, o objeto fundamental da
pintura, o corpo humano, e a negação desse objeto, negação
através da qual é a própria tradição da pintura que se põe
em questão.
Pode-se fixar efetivamente nos anos 1880-1890 o momento de
ruptura do antigo paradigma da imitação da natureza, do qual
o sonho impressionista da sensibilidade retiniana tinha
sido, em certo modo, o último avatar. Precisa-se, de fato,
ao longo desses anos, a crise de identidade sociológica e
estética do artista.
James Ensor é um dos grandes próceres dessa intuição. Entre
1888 e 1889, ele cria dois auto-retratos que a exprimem de
modo lapidar: Mon portrait en 1960 e Mon portrait
squelettisé.
Em 1890, no centro de sua mais célebre composição, “”A
Noite””*, Ferdinand Hodler (1853-1918) retrata-se entre nus,
mas assombrado pelo fantasma da morte, criatura que ele
descreve como “”ao mesmo tempo harmoniosa e sinistra””, que
está no lugar do visível e que ele define como “”o
desconhecido, o invisível””.
Em 1895, no braço esquelético de Edvard Munch (1863-1944),
talvez a mais famosa sinédoque da história da pintura, a
morte é o braço e a mão do pintor; ela é, em suma, o
exercício mesmo da pintura.
Luiz Marques
23/10/2011
Bibliografia
2008 – L. Marques, “”Taunay, superação e morte do artista””.
In, L. M. Schwarcz e E. Dias, Nicolas-Antoine Taunay no
Brasil. Uma leitura dos trópicos. Rio de Janeiro: Sextante
Artes, pp. 204-213″