Por volta de 1910, data aposta a este autorretrato, Egon
Schiele (1890-1918) havia superado sua formação na Academia
de Belas Artes de Viena e mesmo o decorativismo neobizantino
de seu protetor, Gustav Klimt (1862-1918), para criar um
mundo absolutamente próprio, centrado no autorretrato e no
nu, cujos delineamentos são suspensos em um fundo
monocromático e despojados de quaisquer coordenadas
espaciais.
Como nota Dietmar Elger (apud Wolf), Schiele procura então
“selecionar o conteúdo fisionômico, à diferença dos demais
expressionistas, não somente partindo do rosto de seus
modelos. Na obra de Kokoschka, o movimento das mãos
constituía já com frequência um indício mais eloquente que o
rosto da pessoa retratada. Schiele converte o corpo todo e
seus membros em suportes paritários da expressão artística”.
De fato, o corpo do artista é aqui estranhado e entendido
quase como um relevo paisagístico ou como uma árvore nodosa
e ressequida. É aguda a observação de Nobert Wolf segundo a
qual, em muitos dos retratos e autorretratos de Schiele “o
corpo humano adquire um caráter vegetal, não, desde logo, na
elegância de linhas do modernismo, mas sim através da
capacidade de sugestão nervosa de seus agitados e quebrados
contornos, que transmitem à forma um caráter rígido,
debilitado e enfermiço”.
Neste autorretrato, o artista nega o fluxo corpóreo,
substituindo os ritmos curvilíneos por ângulos retos e
arrítmicos e por um senso geral de desconforto que se
concentra no semblante de dor e repulsa. O mal-estar é tanto
mais agudo pelo fato de que sua genitália assume o aspecto
do sexo feminino.
Luiz Marques
23/12/2011
Bibliografia:
1987 – P. Vaisse, “L´autoportrait: questions de méthode”.
Romantisme, 17, 56, pp. 101-112.
2004 – 2004 – N. Wolf, Expresionismo. Tradução espanhola.
Colônia: Taschen, p. 88.