Localização inventarial: inv. n. C6987
Fora da literatura apocalíptica, isto é, da tradição escatológica judaico-cristã, o tema do fim do homem ou do mundo conhece uma primeira voga na primeira metade do século XIX, em especial a partir de Jean-Baptiste Xavier de Grainville (1746-1805) cujo longo poema e último romance, ambos intitulados Le Dernier Homme, descrevem o fim das cidades e da espécie humana, segundo a experiência de Omegare, o último homem.
Em 1832, Auguste-François Creuzé de Lesser publica Le Dernier Homme, poème imité de Grainville, instalando-se em um subgênero da ficção científica que viria a conhecer grande sucesso, até o recente The Road de Cormac McCarthy (2006), marcado não mais pela tradição romântica, mas pelos sombrios prognósticos científicos de colapso do homem e da biosfera.
Na Inglaterra, o exemplo de Xavier de Grainville fora seguido desde 1826 por Mary Shelley, cujo romance The Last Man é mal recebido pela crítica. Em 1833, enfim, será a vez do belo poema homônimo de Thomas Campbell (1777-1844), sobre o qual se baseia esta estupenda aquarela de John Martin, executada nesse mesmo ano.
No catálogo da primeira exposição da obra, Martin publica os seguintes versos:
The sun had a sickly glare
The earth with age was wan
The skeletons of the nations were
Around that lonely man
John Martin (1789 – 1854), conhecido como “Mad Martin”, pintor emblemático do romantismo inglês, exercita-se inicialmente na tradição da paisagem com ruínas, de Claude a Turner. A partir do segundo decênio do século XIX, contudo, Martin deixa-se seduzir por temas de grande dramaticidade. Mesmo quando trabalha aquarelas e pequenos formatos, como é o presente caso, ele adentra resolutamente o terreno do sublime: o espaço e o quadro ambiental no qual situa seus temas bíblicos ou clássicos – a paisagem, os céus, a arquitetura – apequenam, ameaçam e quase esmagam a figura humana. Com razão, Théophile Gautier dizia que Martin tinha “le cauchemar de l´infini” (o pesadelo do infinito).
Ainda que ideologicamente distante da paisagem seiscentista, esta aquarela de Martin recorda fortemente certas gravuras de Hercules Seghers (1589c. – 1638c.), como, por exemplo, a Paisagem com um ramo de abeto*, da Bibliothèque Nationale de Paris.
Luiz Marques
24/05/2011
Bibliografia
2005 – O. Meslay, in J. Clair, Mélancolie. Génie et folie em Occident. Catálogo da exposição, Paris, p. 485