Registro inventarial: inv. n. 8377
No capítulo das “Vidas” intitulado Degl´Accademici del Disegno, Giorgio Vasari (1568) escreve:
A Bartolomeo Panciatichi [Bronzino] fece due quadri grandi di Nostre Donne e condotti con infinita diligenza.
“Para Bartolomeo Panciatichi [Bronzino] fez dois quadros grandes de Nossa Senhora, executado com infinita diligência”.
A informação de Vasari é confirmada no Riposo de Raffaelo Borghini (1584), no qual o autor diz ter visto na casa de Carlo, filho de Bartolomeo Panciatichi:
di sua mano [Bronzino] due quadri della Vergine gloriosa con altre figure bellissime…
“de sua mão [Bronzino] dois quadros da Virgem gloriosa com outras figuras belíssimas…”
O brazão da família estampado na bandeira que tremula sobre a fortaleza ao fundo certifica que uma das obras mencionadas por Vasari e Borghini é sem dúvida esta. De resto, a própria fortaleza seria, segundo Aloia, a de Volterra, cidade com a qual os Panciatichi mantinham vínculos tradicionais. A outra Madona a que se refere Vasari seria, segundo Falciani, a Sagrada Família com S. Ana e S. João Batista Menino, conservada no Kunsthistorisches Museum de Viena (inv. n. 183) e assinada por Bronzino.
O plano muito aproximado do compacto grupo sacro é dominado pela grande mancha rosa salmão da Virgem e pela intensa luz que banha o lado direito da cabeça da Virgem e as duas crianças. Ele se recorta sobre uma paisagem montanhosa, árida e sombria ao fundo da qual diversos edifícios sugerem uma cidade fortificada e dominada por um grande batistério de mármore.
A ausência de planos médios que soldem o grupo sacro à paisagem profana, conferindo à composição unidade espacial, é típica de certo desinteresse da pintura florentina destes anos pela explicitação das ortogonais e, por conseguinte, pela afirmação axiomática da precedência ontológica do espaço em relação à figura. Em certa medida, este destaque da composição sagrada em relação à sua implantação terrena é indicativo também de um sentimento religioso muito diverso do sugerido pela continuidade entre sagrado e profano da perspectiva quatrocentista.
O tipo da cabeça e do penteado da Virgem, bem como o elegante pescoço alongado, remetem aos de um busto de Vênus, mas o modelo antigo é apropriado por Bronzino com um decoro que anuncia a sensibilidade contro-reformista, e tal é uma das razões que explicam o particular apreço de Raffaelo Borghini por esta obra.
Luiz Marques
29/03/2011
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