O mito do frustrado primeiro amor de Apolo é narrado em Ovídio, Metamorfoses I, 453-567: orgulhoso de sua vitória sobre a serpente Piton, Apolo escarnece de Cupido ao vê-lo em dificuldade para armar seu arco. Cupido vinga-se: transpassa-o com uma seta do amor e, com outro tipo de seta, que faz nascer rejeição, transpassa a casta ninfa Dafne, devota de Diana. No momento em que está para ser alcançada por Apolo, Dafne, esgotada por uma longa fuga, implora ajuda a seu pai, Peneu, o rio da Tessália, que, dela apiedado, a transforma em um loureiro. Apolo continua a amá-la mesmo sob esta forma e tece uma coroa com as folhas da árvore que ele elegerá como sua.
O grupo de Apolo e Dafne de Bernini (1598-1680) dialoga intimamente com o texto de Ovídio, sobretudo na caracterização de Dafne, com seus cabelos desgrenhados (positos sine lege capillos). Também na representação do pânico da presa ao sentir-se já tocada pelo perseguidor, expresso nos olhos esbugalhados, voltados para Apolo com terror e no misto de grito e suspiro que emite sua boca aberta em circunferência delicada e sensual:
Viribus absumptis expalluit illa citaeque
Victa labore fugae, spectans Peneidas unda
– Fer, pater…
(com as forças consumidas, ela empalidece e invoca, vencida pelas penas da fuga, olhando as ondas de Peneu: vem, pai…!)
A grande diagonal formada pelos braços das duas figuras acentua o ímpeto do salto de Dafne que contracena com o enlace de Apolo em uma dinâmica essencialmente coreográfica, como bem notada por Fagiolo dell´Arco, que escrevem: Apolo e Dafne: ou seja, o balé.
O Apolo deriva diretamente do Apolo do Belvedere*, na cabeça, no penteado, na expressão ambígua, na posição do corpo projetado para a frente e do braço direito da célebre escultura, restaurado por Montorsoli em 1532-1533.
Sabe-se que Bernini está trabalhando a obra entre 1622 e início de 1623, pois em 12 de junho de 1665, em visita à corte de Luís XIV, ele narra a Paul Fréart de Chantelou que o cardeal Maffeo Barberini (eleito em 6 de agosto de 1623 papa Urbano VIII) havia visitado seu ateliê para inspecionar a obra em companhia de cardeal francês De Sourdis, o qual deixa Roma entre setembro e dezembro de 1622.
Além disso, sabe-se por Passeri [1679/1934] que o escultor Giuliano Finelli fora a Roma em 1622 para ajudar Bernini na execução do grupo. A finição da obra prolongou-se, entretanto, até 1625.
Luiz Marques
19/01/2011