(continuação do texto que acompanha a imagem principal)
Entre 1523 e 1527, Paolo Giovio, na breve Vida que escreveu de Leonardo, acrescenta uma variante:
sed infeliciter inchoata vitio tectorii colores juglandino oleo intritos respuentis.
“começada de modo infeliz por defeito da argamassa que rejeitava as cores aglutinadas a óleo”.
Ligeiramente diferente é a versão do Anônimo Magliabechiano [1540c.]:
“tomara de Plínio a fórmula da argamassa que servia de base para o afresco, mas sem bem a conhecer. Experimentou-a de início em um quadro na Sala do Papa, onde trabalhava e diante dele, após o ter apoiado na parede, acendeu um grande fogo a carvão cujo calor conseguiu secar completamente os ingredientes. Quis então aplicar o mesmo procedimento na Sala do Conselho, e o fogo bastou apenas para secar a parte inferior da parede, mas não a parte mais alta, pela maior distância, e foi ali que a base começou a deslizar.”
Finalmente, sem negar que a causa primeira da fracassada execução resida na decisão de combinar a pintura a óleo com a técnica do afresco, Vasari enfatiza, como o Anônimo Magliabechiano, o problema da aplicação e manejo da argamassa. Na Vida de Leonardo da Vinci, escreve a respeito:
“desejando colorir a parede a óleo, fez uma base preparatória tão grossa para aderir à parede que à medida que pintava ela começou a ceder e de tal maneira que abandonou a obra, vendo a estragar-se”.
Os testemunhos visuais dessa malfadada empresa conservam-se em uma nutrida série de estudos do artista para o afresco (Veneza, Budapest, Windsor, Londres, etc.) e este desenho extremamente refinado, cujo fólio foi sucessivamente colado sobre outro de modo a permitir uma ligeira extensão do desenho.
Assim como a composição da Batalha de Cascina de Michelangelo não se resumia ao grupo dos Banhistas*, a Luta pelo Estandarte era, igualmente, apenas a cena central do afresco, cuja composição devia abrigar diversos outros episódios. Os desenhos remanescentes permitem uma reconstituição hipotética bastante verossímil, tal como a do esquema gráfico* proposto por Carlo Pedretti, apud Arasse [1997:436].
Leonardo narra no presente desenho um embate entre sete combatentes: quatro cavaleiros e três infantes derrubados e prestes a serem pisoteados pelos cavalos enfurecidos, o que não impede dois deles de continuarem a luta.
O que está em jogo aqui é a conquista do estandarte, cuja posse resumia simbolicamente a vitória de uma das partes. A cena mostra os dois cavaleiros da direita em posição mais ofensiva, enquanto os dois da direita, embora ainda de posse do estandarte, já em posição de retirada.
Tratar-se-ia do ataque lançado por Pier Giampaolo Orsini, comandante dos florentinos e Ludovico degli Scarampi, capitão das milícias papais de Eugênio IV, contra Niccolò Picinnino, líder das forças inimigas e seu filho, Francesco.
Não é claro se os florentinos estão prestes a conquistar o estandarte inimigo ou se estão, como acredita Viatte, em vias de rechaçar uma tentativa de arrebatar o próprio estandarte.
De qualquer modo, Leonardo eleva aqui a narrativa histórica ao plano do combate homérico, sem renunciar a captar o ímpeto e o choque entre forças possuídas e movidas pelo furor. Impossível atingir maior unidade entre o homem e o cavalo, maior diversidade de poses, maior intensidade psicológica nos semblantes, obtida, como é sabido, graças a diversos estudos*, felizmente conservados, de fisiognomonia.
Este desenho, mais importante ricordo do afresco, é considerado por muitos estudiosos como uma cópia de Rubens, executada durante sua estada na Itália (1600-1608), mas por outros, inclusive pelo próprio Museu, como uma cópia executada provavelmente no século XVI e apenas retocada por Rubens.
Luiz Marques
16/02/2011
Bibliografia:
1944 – J. Wilde, “The Hall of the Great Council of Florence”. Journal of the Warburg and the Coutauld Institutes, VII, 1-2, pp. 65-81.
1992 – G. Nepi Scirè, “La Battaglia di Anghiari”. Leonardo e Venezia. Catálogo da Exposição. Veneza: Bompiani, pp. 256-285.
1997 – D. Arasse, Léonard de Vinci, Paris: Hazan, pp. 428-443.
2003 – F. Viatte, in F. Viatte e V. Forcione, Léonard de Vinci. Dessins et manuscrits. Catálogo da exposição. Paris, Louvre, pp. 267-299.