Registro inventarial: T. 2302
Provavelmente trazido ao Brasil em 1816 no acervo de quadros
adquiridos em Paris por Joachim Le Breton. É o que se pode
inferir do inventário de 1837 da Academia Imperial de Belas
Artes, se a este quadro se refere a menção: “Il Cavalier
d´Arpino. Guerreiro Moribundo”. Referências inequívocas
aparecem apenas a partir do catálogo sumário de 1923,
documentação na qual o quadro é sempre descrito como “Escola
Italiana. Guerreiro Moribundo”.
A atribuição da obra ao pintor genovês, Luciano Borzone
(1590-1645), é de Mary Newcome-Schleier (comunicação oral,
1990). A tipologia fisionômica, a paleta avermelhada, o
contraste drástico entre sombra e luz, com uma iluminação a
lame di coltello, (Manzitti) são características
suas. Note-se na fatura, além disso, o pouco empaste, típico
de Borzone, o que foi já posto em evidência por Newcome
[1975:33], Manzitti [1971:37] e, recentemente, Pesenti
[1986:72].
A cena figura uma passagem do Gerusalemme Liberata,
de Torquato Tasso, publicado em Parma em 1581. Guiada por
Valfrino, escudeiro de Tancredi, Erminia encontra Tancredi
ferido, após seu duelo com Argante, e corta os cabelos para
lhe estancar o sangue (Canto XIX, oitava 112, vv. 7 e 8):
l´asciugò con le chiome e rilegolle
pur con le chiome che troncar si volle.
A iconografia deriva da primeira edição ilustrada do poema,
La Gierusalemme liberata di Torquato Tasso con le figure
di Bernardo Castello e le annotationi di Scipio Gentile e di
Giulio Guastavini, Genoa, MDLXXXX, ilustrada, segundo
desenhos de Bernardo Castello, com gravuras de Giacomo
Franchi (Cantos I V, IX, XI, XIII, XV, XVIII) e de Agostino
Carracci, autor, entre outras, da gravura em questão (Cantos
VIII e XIX). Sobre esta edição, mencionada no Felsina
pittrice [1674:81-82] de Carlo Cesare Malvasia (1616-
1693), veja-se D. DeGrazia Bohlin (ed.), The Illustrated
Bartsch, 39, 130, n. 190.
Como demonstra a exposição de 1985 dedicada ao poema, de
Claudio Monteverdi (Madrigali guerrieri et amorosi,
com o Combattimento di Tancredi e Clorinda, 1624) a
Voltaire (Tancrède, 1760), de Carracci, Guercino e
Poussin aos Tiepolo de Villa Valmarana (1757), nenhum texto
não-sacro excitou tanto a imaginação artística dos séculos
XVII e XVIII quanto o poema de Tasso, e em especial a
imaginação pictórica. Analisando as razões fundamentais de
tal convergência, Giulio Carlo Argan conclui: “a poesia que
pode ser não só analogicamente ou tematicamente similar à
pintura é a poesia de Tasso.”
Os anos da atividade de Luciano Borzone coincidem com o
clímax da controvérsia Tasso-Ariosto, que suscita grande
quantidade de comentários pictóricos a ambos os poemas, na
esteira do revival tardo-renascentista da temática horaciana
do ut pictura poesis.
No presente quadro, a independência de Borzone em relação à
gravura de Agostino Carracci demonstra à evidência o quanto
era cara para o pintor genovês, também músico e poeta, a
questão do paragone entre as artes, das relações
entre palavra e imagem, a que o Cavalier Marino havia
imposto um modelo, ao reunir em seu Galleria (1619)
um conjunto de poemas ecfrásticos dedicados a vários
pintores.
Entre numerosas outras do poema tassiano, a passagem
escolhida pelo artista não é das mais recorrentes,
especialmente se comparada com as que enfocam Rinaldo e
Armida ou Erminia entre os Pastores.
Há de se distinguir três instantes na iconografia desta
passagem. O primeiro é o da descoberta de Tancredi,
propriamente dita, escolhido por Gian Paolo Lomazzo, em seu
Trattato dell´Arte de la Pittura. Diviso in sette libri.
Ne´ quali si contiene tutta la Theorica, e la prattica
d´essa pittura (Milano, 1584), como paradigma da
expressão da surpresa trágica. Ele suscitou por exemplo duas
diversas composições de Guercino (Doria Pamphilj, 1618 e
York, Castle Howard, 1650c.).
O segundo, preferido por Borzone, é o do patético corte do
cabelo. Nicolas Poussin dedica-lhe igualmente duas invenções
(Ermitage, 1630 c. e Barber Institute, 1637) e também por
este instante optam Bernardo Cavallino (Munique, Alte
Pinakothek, 1650c.) e, provavelmente, Alessandro Turchi
(Budapest, Museu).
Outros, como Pietro da Cortona (1652), Pier Francesco Mola
(Louvre, 1650-56) ou Pietro Ricchi (Viena, Col. Czernin),
preferem isolar um instante sucessivo em que Erminia cuida
dos ferimentos de Tancredi.
(continua no comentário ao detalhe da obra)