A respeito desse afresco de Bronzino (1503-1572), Vasari assim se exprime em 1568:
E perché in questa sua presente età d´anni sessanta
cinque non è meno inamorato delle cose dell´arte che fusse da giovane, ha tolto a fare finalmente, come ha voluto il Duca, nella chiesa di San Lorenzo, due storie a fresco nella facciata a canto all´organo, nelle quali non ha dubbio che riuscirà quell´eccellente Bronzino che è stato sempre.
“E dado que em seus atuais 65 anos de idade não está menos enamorado das coisas da arte que quando jovem, começou a executar, segundo o desejo do Duque, na igreja de San Lorenzo, duas histórias em afresco na parede ao lado do orgão, nas quais sem dúvida o excelente Bronzino terá o êxito de sempre”.
O artista não realizou o segundo afresco. A presente composição mostra o momento em que o Imperador Valeriano ordena o cumprimento do martírio do santo, colocado sobre a grelha, enquanto os soldados avivam as chamas. Dois anjos descem sobre o mártir com a coroa, a palma e o cálice da Eucaristia.
O fantástico cenário arquitetônico da Roma de Bronzino compõe-se de dois pórticos alinhados a cada lado da composição, no meio da qual um corredor dotado de escadarias deixa visível ao fundo um edifício circular coberto por uma cúpula. Quatro estátuas adornam estes pórticos. Ao fundo, aludindo obviamente à sensualidade do “paganismo”, veem-se uma Vênus pudica e o que parece ser um Baco, com cachos de uvas. Sob o pórtico direito, um Hércules com a clava ergue-se apropriadamente atrás do Imperador. Aventou-se a hipótese de que a figura barbada ao pé da estátua seja um retrato de Michelangelo.
Sob o pórtico esquerdo, uma estátua de Mercúrio tem aos pés os retratos de Pontormo, Bronzino e Alessandro Allori, verdadeira dinastia de pintores florentinos na qual Bronzino ocupa, mercurialmente, a posição de elo de comunicação entre o passado e o futuro.
A recepção moderna do afresco é preponderantemente negativa.
Charles McCorquodale (1981), por exemplo, descreve-o como “uma fusão entre balé e banho turco” e o considera “um dos mais monumentais fracassos do Maneirismo sob todos os pontos de vista”.
Tal como sublinhado por Carlo Falciani, e por outros estudiosos antes dele, o Martírio de S. Lourenço, iniciado justamente um ano após a morte de Michelangelo, surge, ao lado da Adoração dos pastores de Pisa (1564), como uma programática exibição das “posições difíceis” do nu michelangiano, à imagem das figuras da Capela Sistina e mesmo do cartão da Batalha de Cascina, como se Bronzino reivindicasse para si a máxima titularidade dessa herança. A cúpula ao fundo parece aludir ainda à de São Pedro, projeto que ocuparia Michelangelo de 1546 a seus últimos dias e que se tornaria, desde então, seu maior emblema arquitetônico.
Luiz Marques
10/07/2011
Bibliografia:
1981 – C. McCorquodale, Bronzino. Londres: Jupiter Books.
2010 – C. Falciani, “Della pittura sacra, ma anche di ´fianchi, stomachi ec´”, in C. Falciani, A. Natali, Bronzino. Pittori e poeta alla corte dei Medici. Catálogo da exposição, Florença, Palazzo Strozzi, pp. 290-293