“Quem, mal conhecendo as formosuras da nossa história primeva, parar um instante junto dessa esplêndida figura de mulher nua, de borco, para o sempre adormecida na onda como numa rede de balouço eterno, não voltará sem curioso desejo de saber-lhe o romance: quem era, que perfídia a lançou às águas vastas, de que morte pereceu, se por gosto a buscou, se foi buscada”.
Principia assim a crônica Moema, dedicada à escultura homônima de Rodolfo Bernardelli. Ela foi escrita por Coelho Neto (1864-1894), que a considerou “não só um acontecimento artístico, como um incentivo para a exploração de um veio quase virgem – a Grande Poesia da Pátria”.
Com menos entusiasmo, mas com semelhante nacionalismo, Domicio da Gama destacou Moema – e apenas ela – entre todas as obras expostas no Salão de 1895.
O tema é extraído de Caramuru (1781), mas a representação de Moema inerte sobre as águas é descrita somente de forma muito passageira. A escultura, por assim dizer, consolida uma narrativa complementar construída ao longo do século XIX e para a qual contribuiu de forma decisiva a pintura Moema (1866), de Victor Meirelles.
Para além dos nacionalismos de Coelho Neto e Domicio da Gama, seus textos chamam a atenção pelos modos como contornam o erotismo da obra. Coelho Neto criou uma narrativa esmerada, dando mais brilho ao bronze de Rodolfo Bernardelli.
O rosto de Moema, para Coelho Neto, é “belo, posto que selvagem, de grossos lábios grávidos de beijos; os cabelos e a espuma marinha derramavam-se-lhe na face fria, velando-a piedosamente ou resguardando-a da profanação faminta dos que giram no mar, aos mil, serenamente. […] Coroa-a um ramo verde, um galho fino, de mistura com a renda da mortalha nítida de espumas – é como uma lembrança saudosa da selva materna. Vai nua como a inocência”. Coelho Neto acrescentou ainda uma longa galeria de personagens e mitos, convertendo Moema numa figura paradoxalmente luzidia, venturosa e ondeante.
Domicio da Gama, por sua vez, não deixou de reconhecer que sua própria abordagem era encabulada: “É uma imagem que faz cismar. Não sei se a evocação do nome entra principalmente na admiração dessa contemplação, sei que entre os nossos olhos e o corpo da morta sempre se mete um véu prestigioso de poesia, que é talvez simplesmente a sugestão do sonho de beleza ali representado”.
Nenhum comentário à Moema elucidou-a tanto quanto uma charge publicada no periódico A Cigarra, feita por Julião Machado (1863-1930). Nela, a escultura é velada por um séquito de homens