Entre busto e meia-figura, o Cristo aparece sobre um fundo escuro, representado após a ressurreição, como demonstram os estigmas.
Na origem, este Cristo coroado de espinhos, descoberto em 1947, integrava um díptico, tendo na aba direita uma “Mater dolorosa”, obra hoje conservada em coleção particular na Inglaterra (53,2 x 37,2 cm).
É o diálogo compassivo entre a mãe orante e o filho sacrificado que torna plenamente inteligível o gesto de exposição das estigmas voltado para a direita, e não para o espectador.
Pode-se também entender esta imagem do Cristo como uma imagem de segundo grau, isto é, como uma imagem diante da qual a Virgem ora.
Desmembrado em um momento desconhecido, o díptico deve ter estado desde sempre em Florença, pois Domenico Ghirlandaio o copiou, por volta de 1480.
Na segunda metade do século XV, vários artistas flamengos foram objeto da emulação de artistas italianos, tais como Schongauer, Van der Goes, Van der Weyden e Memling.
Quer por emulação, quer com vistas à contrafação, a cópia ou transposição em outro suporte de obras de artistas flamengos era particularmente praticada em Florença durante os anos 1480.
É convidativo pensar que, ao entrar no ateliê de Ghirlandaio em 1487, Michelangelo, que logo faria uma cópia a têmpera da famosa gravura das “Tentações de S. Antonio Abade” de Schongauer, terá visto a notável cópia pintada por seu mestre(óleo sobre madeira, 54 x 34 cm, Philadelphia Museum of Art) deste Cristo coroado de espinhos de Memling.
Luiz Marques
19/01/2011
Bibliografia:
1969 – G.T. Faggin, L´Opera Completa di Memling. Milão, Rizzoli, p. 103
2002 – T.-H. Borchert, Le siècle de Van Eyck. Le monde méditerranéen et les primitifs flamands. Gand, Amsterdam: Ludion, pp. 244 e 260.