Registro inventarial: inv. n. 357
Uma inscrição na base, não-original: “Ritratto di uno di
Casa Pesaro / In Venetia che fu fatto / Generale di Santa
Chiesa. Titiano F.”
Bispo de Pafos, em Chipre, Jacopo Pesaro foi comandante da
armada pontifícia que derrotou os turcos na bataha de Santa
Maura (Leucadia), em 1502. É provável que o retrato seja um
ex voto em agradecimento por esta vitória, tanto mais
porque se vê claramente ao fundo a frota vencedora.
Longe de parecer uma imagem em um altar, a figura de S.
Pedro surge vívida como uma espécie de aparição. Isto não
impede a evidente correspondência entre o altar em que se
eleva o apóstolo fundador da Igreja e o altar sacrificial
que domina a frisa em relevo (finto marmo) na base do
trono do santo.
Wittkower estudou esta correspondência a partir da presença
do Cupido sobre a chama, que o estudioso alemão identifica
como “Divino Amor”, imediatamente abaixo das chaves do
apóstolo. Tal correspondência é ainda enfatizada pela
composição em frisa, de timbre arcaico, e pela projeção de
Jacopo Pesaro em direção ao santo, que remete às figuras em
relevo projetadas em direção ao altar.
Assiste-se aqui a uma das tantas manifestações de
concordantia entre a antiga e a nova fé, entre a
sabedoria dos antigos e a revelação cristã, cara à
estratégia humanista, estratégia que tem nos afrescos da
Stanza della Segnatura* de Rafael (1508-1510) sua
mais consumada expressão.
Isto posto, a datação da obra é incerta. A presença de
Alexandre VI advoga em favor de uma datação não posterior a
1503, data de sua morte, pois dificilmente o odiado Borgia
seria lembrado com gratidão por Jacopo Pesaro.
Este terminus ante quem proposto por Crowe e
Cavalcaselle foi contestado por diversos estudiosos, que
chegam a retardar até 1512 (e mesmo até 1520) a execução da
obra. O caráter arcaico da composição ainda reminiscente da
frisa quatrocentista e o estilo ainda belliniano da figura
de S. Pedro levam Robertson, possivelmente com razão, a uma
datação não posterior a 1506.
Meyer zur Capellen (1980) sugere uma possibilidade
alternativa, suscitada por supostas incongruências na
construção do espaço: o retrato teria sido encomendado antes
de 1503 e executado em duas fases, a última das quais já no
segundo decênio.
Jacopo Pesaro foi novamente retratado por Tiziano
(1490c.-1576) na assim chamada Madonna di Ca´ Pesaro, na
igreja de Santa Maria dei Frari, em Veneza.
Luiz Marques
29/10/2010
Bibliografia
1983 – G. Robertson, in J. Martineau, C. Hope, The Genius of
Venice, 1500-1600 catálogo da exposição. Londres, Royal
Academy of Arts, p. 219