Sobre a figura histórica de Catão, ver seu retrato do Museu Arquológico de Rabat*. Sobre o contexto histórico e as fontes textuais de seu suicídio em Útica em 46 a.C., para não se submeter a César – vitorioso na batalha de Tapso – ver o afresco de Beccafumi* de 1519-1520 (Siena, Palazzo Casini Casuccini), primeira representação moderna conhecida deste tema.
Após encarnar o herói por excelência no ideário neo-estoico do século XVII, a figura de Catão e de seu sacrifício será muito apreciada como emblema da virtude no século XVIII, mesmo antes da Revolução Francesa, que em 1797 chega a elegê-lo como tema do Concurso do Prix de Rome.
A obra foi atribuída por J. P. Cuzin a François-André Vincent (1746-1816), um dos mais cultivados e inventivos artistas franceses do segundo Setecentos, cuja complexa formação clássica na Itália (1771-1775) não o aprisiona em um neoclassicismo de estrita observância. Sua verdadeira genialidade foi, contudo, algo obscurecida pela de seu rival, Jacques-Louis David* (1748-1825). Ao dispor de ponta-cabeça e de modo quase exibicionista, por toda a extensão da tela, o corpo descomposto do suicida, Vincent acentua o caráter atroz do ato em detrimento de sua dimensão didática, filiando-se assim menos ao decoro neoclássico do exemplum virtutis, e mais à tradição seiscentista, que tinha em Giambattista Langetti* (1635-1676) um expoente, posto que o maior especialista, após Ribera, da arte do orrido, do horrendo. A incidência de uma luz intensa e fantasmagórica sobre o corpo, no âmbito de um cromatismo lívido e surdamente noturno, evidencia ainda mais essa aderência à vertente riberiana do caravaggismo italiano. A obra foi datada por Cuzin justamente destes anos romanos, durante os quais o contato com os mestres italianos do século anterior devia ser naturalmente mais intenso.
Luiz Marques
10/02/2010
Bibliografia:
2008 – O. Zéder, in G. Gentili, Giulio Cesare. L´´Uomo, le Imprese, il Mito. Catálogo da exposição, Roma, Chiostro del Bramante, p . 252