“Victor Hugo morre em Paris em 22 de maio de 1885. A família
chama diversos artistas, entre os quais Félix Nadar, Léon
Bonnat, Etienne Carjat (1828-1906) e Georges Clairin (1843-
1919), para fixar o último aspecto do escritor e a cena de
sua morte, na tradição do gênero pictórico da morte heróica
(ou íntima) do artista, iniciada no século XVIII.
Félix e seu filho, Paul, tiram várias fotos do poeta e Félix
executa também alguns desenhos*, hoje conservados na
Bibliothèque Nationale de France. Esta foto, precisamente, é
publicada em 30 de maio de 1885 na primeira página da
revista L´Illustration.
Anexo ao testamento de 1881, Victor Hugo estabelecia suas
últimas vontades e convicções:
Je donne cinquante mille francs aux pauvres. Je désire
être porté au cimitière dans leur corbillard. Je refuse
l´oraison de toutes les églises; je demande une prière à
toutes les âmes. Je crois en Dieu.
(Doo cinquenta mil francos aos pobres. Desejo ser levado ao
cemitério no coche deles. Recuso o sermão de todas as
Igrejas; peço uma oração a todas as almas. Creio em Deus).
Com a morte de Victor Hugo e de Franz Liszt* (1886),
extinguiam-se em meados dos anos 1880 as referências maiores
dos literatos e músicos ativos sobretudo em Paris após a
Revolução de 1830.
O desaparecimento de ambos, assim como o de Édouard Manet em
1883, deixa um vácuo pelo qual se adentra a terrível segunda
metade dessa década – anos da publicação de L´Oeuvre
de Zola, da conversão de Huysmans, do Retrato de Dorian
Gray de Oscar Wilde, do Mon portrait squelettisé
de James Ensor, do suicídio de Van Gogh e dos primeiros
acessos de loucura de Nietzsche -, anos, em suma, nos quais
a identidade do artista como expressão de uma heróica
subjetividade dá sinais de uma vertiginosa erosão.
O retrato fúnebre de Victor Hugo pelos Nadar assume, neste
contexto, a gravidade de um vaticínio.
Luiz Marques
05/10/2010
Bibliografia
2003 – C. Malécot, Le monde de Victor Hugo vu par les Nadar.
Paris, Éditions du patrimoine, p. 208
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