“Registro inventarial: inv. 9922
Quando apresentada na Christie´s de Londres em 1930, a obra foi atribuída por Roberto Longhi a Masolino da Panicale (1383c.-1447c.) e adquirida por Alessandro Contini Bonacossi segundo aconselhamento de Longhi, vindo a entrar nos Uffizi em 1954 após ser adquirida por Herman Goering em 1942. Ela
apresenta repinturas sobretudo nas áreas de junção das pranchas do suporte.
A atribuição a Masolino é quase consensual; não, contudo, sua datação, objeto de propostas muito diversas. Longhi propunha situá-la entre 1430 e 1435, sustentando uma interpretação do percurso poético de Masolino segundo a qual após 1432, ano de seu afresco com a Virgem e o Menino entre dois anjos, da igreja de San Fortunato em Todi, o pintor úmbrio mostra esquecer-se sempre mais de sua frequentação de Masaccio nos anos ´20, vale dizer, “”daquela migalha de preocupação moral que tinha ao menos roçado a ´Sant´Ana´ [dos Uffizi], os afrescos Brancacci e a Pietà de Empoli””:
“”Quem vir, por exemplo, a ´Virgem da Humildade´ (…), poderia em um primeiro momento pensar-se diante da mais antiga Madona de Masolino, justamente pela evidente evocação, no grande ritmo do giro, quase como uma válvula de concha, de Lorenzo Monaco. Mas a se observar melhor com que violência escurece e clareia em densa trama de claro-escuro o azul que modela, sem nada perder de sua intensidade cromática local, o joelho rebaixado da Virgem; e em seguida com que delicada potência se preenche o motivo linearmente refinado da mão que vai acomodando a mama nos lábios do Menino, concluirá que Masolino não pode ter chegado a uma tão absoluta facilidade de acordos culturais sem ter passado pela grande aventura da comunidade de trabalho com Masaccio””.
De seu lado, Joannides insiste sobre a evidente influência de Lorenzo Monaco, que o leva a datar a Virgem de 1420 ou antes. Para o historiador inglês, nenhuma das obras tardias de Masolino “”possui a silhueta lírica desta pintura, ou apresenta uma configuração tão pródiga de ritmo linear-abstrato””.
A questão envolve desde logo compreensões diversas da arte de Masolino, pois Longhi tende talvez a subestimar sua autonomia poética em relação a Masaccio, enquanto Joannides tenderá possivelmente a superestimar a de Lorenzo Monaco. Envolve, além disso, a difícil avaliação da pregnância do assim chamado Gótico internacional na Florença do segundo quarto do século XV. Que, conforme argumenta Longhi, um mestre excepcional como Masolino permaneça fiel à sua formação linear, mesmo após sua crucial experiência com Masaccio na Capela Brancacci, não seria senão signo da vitalidade da cultura gótica em Florença.
Ademais, a se confirmar a datação mais tardia proposta por Longhi, a simples ocorrência na Florença do quarto decênio de um tema tão cortês como o da Virgem da Humildade tratado por um pintor do prestígio de Masolino seria outro eloquente indício da atualidade do gótico na comitência florentina daqueles anos.
Luiz Marques
16/01/2011
Bibliografia
1940 – R. Longhi, “”Fatti di Masolino e Masaccio””. Opere Complete, vol. VIII, Florença, 1975, p. 33
1993 – P. Joannides, Masaccio and Masolino. Londres, Phaidon, p. 375″