“Se o exórdio do poema Manto de Poliziano é a fonte
direta da célebre água-forte Nemesis de Albrecht
Dürer, executada em 1501 ou 1502, é possível pensar que, por
sua vez, o Fatum e Fortuna de Leon Battista Alberti
inspire, em parte ao menos, o contemporâneo desenho de
Andrea Mantegna, Virtus combusta, do British Museum
(inv. Pp. 1-23) que se conhece integralmente através desta
gravura de Giovanni Antonio da Brescia, intitulada Virtus
combusta, Virtus deserta.
Aqui, enquanto o ramo de louros arde (Virtus combusta), a
humanidade é governada pela figura coroada da Fortuna,
sentada sobre a esfera e com o leme nas mãos, seus
atributos, mas que em Mantegna, toma o nome de Ignorância,
como em um desenho da “”Calúlia de Apeles”” e no grande quadro
do Louvre para Isabella d´Este: “”Minerva expulsa os vícios
do jardim da Virtù””.
Ao lado dessa régia Fortuna-Ignorância, estão duas figuras,
a “”Inveja”” e o “”Fado””, tal como a identificam diversos
estudiosos, tais como Paccagnini [1961:213]. Súditos deste
reino e conduzidos pela luxúria e a loucura, um homem
encapuçado e uma mulher cega precipitam-se no abismo,
enquanto o sábio, sobrevivendo à queda, é salvo por
Mercúrio, que o retira da vala comum dos cadáveres.
Embora a figura de Mercúrio como figura da sabedoria e da
sagacidade seja um lugar-comum no século XV, é plausível que
uma de suas fontes no desenho de Mantegna seja, como se
propôs, o Protrepticon de Galeno, no qual surge de
modo explícito a oposição Fortuna / Mercúrio.
Sobre as ruínas de um templo (de Mercúrio?) em meio ao qual
surge a figura de Dafne, emblemática da virtude, lê-se
Virtus deserta, e mais à frente a inscrição: “”VIRTUTI
S.A.I””, iniciais do mote Virtuti S[emper] A[dversatur]
I[gnorantia] – A Ignorância sempre opõe-se à Virtude -,
muito apreciado por Mantegna, que a ele se refere em duas
cartas a Francesco Gonzaga, de 1491.
A oposição entre Virtù e Fortuna aparece,
assim, de Alberti a Mantegna, mas se pode dizer no
Quatrocentos em geral, grandemente como uma oposição entre
Saber e Ignorância ou, em sentido mais lato, entre Medida e
Desmedida. Ela retoma substancialmente o pensamento de
Platão que, no diálogo Eutídemo (279d-280b), escreve:
“”É o saber que, em todos os domínios, faz a boa fortuna do
homem. Pois o saber jamais erra, mas opera necessariamente e
atinge seu objetivo; se não, não seria saber. (…) Se há
saber, quem o possui, não tem necessidade de boa fortuna””.
Luiz Marques
02/11/2011
Bibliografia:
1986 – R. Lightbown, Mantegna. Milão: Mondadori, p. 495.
1992 – Ekserdijan, Landau, in Martineau, Andrea Mantegna.
Catálogo da exposição, Milão: Electa, p. 455.
2008 – Aldovini, in G. Agosti, D. Thiébaut, Mantegna, 1431-
1506. Catálogo da exposição, Milão: Officina Libraria, p.
352.”