“Como dizer o indizível?”, indaga Tecmesse, escrava e esposa de Ajax, ao Corifeu da tragédia de Sófocles, Ajax:
“Saiba de um sofrimento que vale uma morte: tomado de delírio, nosso glorioso Ajax, esta noite, cobriu-se de desonra”.
Ajax, filho de Télamon, rei de Salamina, é em Tróia o mais forte e bravio dos guerreiros gregos, após Aquiles. Com a morte deste, caber-lhe-ia, pois, as armas do herói, dadas, contudo, a Ulisses. Ajax dirige-se ao acampamento dos Argólidas e dos Átridas para matá-los, mas Atena o enlouquece e ele mata, aprisiona e tortura o gado tomado dos troianos como botim de guerra, pensando se tratar de seus inimigos.
O bronze mostra Ajax (sem a espada) quando, desperto de seu delírio, reconhece a extensão do erro e medita o suicídio:
“Como riem de mim! como me ultrajam!” (…) Oh, trevas, minha luz, Erebo tão luminoso para mim, levai-me, levai-me, que eu habite com vocês. Nem na morada dos deuses, nem na dos homens efêmeros sou digno de achar socorro. A filha de Zeus, deusa possante, atormenta-me mortalmente. Onde fugir, onde me refugiar, amigos, se tudo perece como estes animais, se estou condenado a tais acessos de loucura?”
Guerreiro puro em Homero, Ajax torna-se, com Sófocles, uma criatura fulminada por Atena, cuja crueldade termina por suscitar a simpatia do público pelo herói enlouquecido.
Segundo George Ortiz, o Hércules Farnese* pode representar, na realidade, não Hércules, mas Ajax meditando o suicídio, estátua de que este bronze seria uma versão em pequena escala. Ambos as obras datam dos mesmos anos, nos quais o tema do suicídio ganha prestígio sob influência estóica. Augusto, jovem, por exemplo, escreve uma tragédia sobre Ajax.
O bronze parece se situar em um ateliê da Ásia Menor, talvez, segundo Ortiz, na corte filo-helênica de Arquelaus da Capadócia.
Luiz Marques
23/05/2010
Bibliografia
2005 – G. Ortiz, in J. Clair, Mélancolie. Génie et folie en Occident. Catálogo da exposição. Paris, p. 44