Modernité é uma sátira em que a modernidade,
associada à sedução feminina, aparece como uma espécie de
Salomé oferecendo-se a cabeça do artista da “Académie”, como
se lê na fita esvoaçante da bandeja.
O pintor belga, Félicien Rops (1833-1898), explicita em 1880
o que era inequívoco, mas ainda implícito, na “Morte de
Francesco Francia à vista da ´Santa Cecília´ de Rafael”*
(1808) de Nicolas-Antoine Taunay: a identidade entre morte
física e morte artística do artista.
É evidente que Rops parodia aqui a “Jovem com bandeja de
frutas” de Tiziano (1555c.) nos Staatliche Museen de Berlim.
Mas, sobretudo, ele parodia um topos recorrente nos
séculos XVI e XVII: o autorretrato decapitado, inventado
talvez por Michelangelo, que se representa na cabeça de
Holofernes, na Capela Sistina, ou por Andrea Solario, que se
representa mais de uma vez na de S. João Batista. O tema é
recorrente, para citar alguns exemplos, em Cranach,
Caravaggio e Cristofano Allori.
Ao contrário de Rops, que celebra a superação e a morte do
artista acadêmico, James Ensor (1860-1949), seu compatriota,
representa-se a si próprio decapitado, em 1896, vítima de
seus cuisiniers dangereux*, de seus “cozinheiros
perigosos”, prestes a oferecerem sua cabeça em um banquete
de críticos, que vomitam sobre os pratos servidos.
Em um caso como em outro, como ainda no Art, Misère,
Désespoir, Folie!* (1880), de Jules Blin, e em tantas
outras obras desses anos, afirma-se o mesmo trágico ou
tragicômico lugar-comum: a identidade física e artística do
artista colapsa em face de sua incapacidade de se fazer
reconhecer como tal pelo destinatário de sua obra.
Luiz Marques
23/11/2011
Bibliografia
2008 – L. Marques, “Taunay, superação e morte do artista”.
In, L. M. Schwarcz e E. Dias, Nicolas-Antoine Taunay no
Brasil. Uma leitura dos trópicos. Rio de Janeiro: Sextante
Artes, pp. 204-213