“Trata-se da primeira representação visual conservada da 
Parábola do Bom Samaritano, a qual comparece apenas em Lucas 
(10,29-37). Ela intervém no diálogo entre Jesus e um legista 
que lhe perguntara o que devia fazer para “”herdar a vida 
eterna””. Jesus remete-o à Lei, que determina: “”Amarás o 
Senhor teu Deus (…) e a teu próximo como a ti mesmo””. Para 
se justificar de ter perguntado algo cuja resposta era 
sabida por todos os judeus, o legista acrescenta: “”E quem é 
o meu próximo?””. A resposta será justamente essa parábola:
“”Um homem descia de Jerusalém a Jericó, e caiu no meio de 
assaltantes que o despojam e o espancam, deixando-o 
semimorto. Casualmente, descia por este caminho um 
sacerdote; viu-o e passou adiante. Igualmente um levita, 
atravessando este lugar, viu-o, e prosseguiu. Certo 
samaritano em viagem, porém, chegou junto dele, viu-o e 
moveu-se de compaixão. Aproximou-se, cuidou de suas chagas, 
derramando óleo e vinho, depois colocou-o em seu próprio 
animal, conduziu-o à hospedaria e dispensou-lhe cuidados. 
No dia seguinte, tirou dois denários e deu-os ao hospedeiro, 
dizendo: ´Cuida dele, e o que gastares a mais, em meu 
regresso te pagarei´.”” 
A Samária fora despovoada de judeus pelos assírios e 
repovoada com colônias de povos não-judeus igualmente 
dominados. Os judeus dos tempos de Jesus consideravam os 
samaritanos como incréus, de onde o caráter paradoxal do 
comportamento do Bom Samaritano e a crítica à não 
observância da Lei de parte dos judeus ortodoxos (o 
sacerdote e o levita) que a parábola encerra.
Na iluminura em questão, vê-se da esquerda para a direita, a 
cidade de Jerusalém, o próprio Cristo representado na 
figura do Bom Samaritano, a cuidar da vítima, auxiliado por 
um anjo e, enfim, o Cristo que a leva em seu animal até a 
hospedagem e dá os dois denários ao hospedeiro. 
No registro inferior, os quatro Evangelistas aclamam a cena.
A iluminura orna o Codex Purpureus Rossanensis, um 
Evangeliário sírio de 188 fólios, ricamente ilustrado e 
datado por suas características paleográficas de meados do 
século VI, quando da reconquista da península pelas tropas 
de Bizâncio. 
Notado pelo jornalista napolitano, Cesare Malpica, em 1845, 
na biblioteca da catedral Santa Maria Achiropita de Rossano, 
o manuscrito foi publicado, já em seu atual estado 
fragmentário, em 1879. Trata-se do mais antigo Evangeliário 
ilustrado de que se tem notícia. Ele pertence ao grupo dos 
Unciais Purpúreos, dada a cor avermelhada do pergaminho.
As sofisticadas ilustrações desse manuscrito, à altura do 
refinamento da cultura visual bizantina do período pré-
iconoclasta, obtêm grande eficiência narrativa com notável 
economia de meios, sem descartar por completo, em seu 
caráter predominantemente abstrato, o substrato do 
naturalismo antigo. 
Elas não pontuam o texto à maneira de um comentário, como 
será prática usual na tradição manuscrita sucessiva, mas se 
agrupam no início do volume, seguindo a sequência de 
leituras recitadas na igreja durante a Quaresma, isto é, 
entre a quarta-feira de cinzas e a Páscoa. 
Segundo Loerke (1961), o modelo imediato destas ilustrações 
poderia ser um perdido ciclo de afrescos ou mosaicos 
monumentais na domus Pilati em Jerusalém, hipótese 
que Weitzmann (1978) acolhe com interesse, confirmando tal 
derivação ao menos para as duas ilustrações do “”Cristo 
diante de Pilates””, já que seu formato obedece ao que seria 
o de uma pintura mural em uma abside. 
Luiz Marques
27/11/2011
Bibliografia:
1950 – G. Guerrieri, “”Il codice Purpureo di Rossano 
Calabro””. Napoli. Rivista Municipale (extrato).
1978 – K. Weitsmann (ed.), Age of Spirituality. Late Antique 
and Early Christian Art, Third to Seventh Century. Catálogo 
da exposição, New York, The Metropolitan Museum of Art. 
Princeton Univ. Press, p. 492
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