O tema representado nesta tela de fulgurante cromatismo, assinada “domenikos theotokópoulos apoiei”, não é de fácil identificação e as diversas propostas avançadas são mais complementares que mutuamente excludentes. Desde 1657, Padre Santos a intitula Adoração do nome de Jesus pelos Céus, a Igreja Militante, o Purgatório e o Inferno, dada a presença resplandescente da sigla IHS que domina toda a composição. Esta designação é ainda hoje frequente. A fonte desta iconografia seria a Epístola de Paulo aos Filipenses (2,9-10): “Por isso Deus o sobreexaltou grandemente / e o agraciou com o Nome / que é sobre todo o nome”.
Poleró batizou-a O Sonho de Filipe II, título considerado por Álvarez Lopera (1999) como “o mais aceitável”, dada sua antiguidade nos inventários. A presença dos eleitos e réprobos respectivamente à esquerda e à direita induziu a que se visse aqui um Juízo Final.
Antony Blunt (JWCI, 1939-1940) circunstanciou melhor o tema e grangeou certo consenso. Ele aí percebeu uma Alegoria da Santa Liga de 1571, entre o papa Pio V, Filipe II e Veneza, na figura do Doge Alvise Mocenigo, aliança que levou à vitória na célebre Batalha de Lepanto, tema central da propaganda católica contra os Turcos. À esquerda do papa, reconhecer-se-ia nos traços do soldado romano um retrato de almirante don Juan de Áustria (1545/47 – 1578), filho natural de Carlos V e de Bárbara Blomberg, nomeado por Felipe II Capitán General de la Mar. A hipótese de Blunt, aceita como verossímil por Frati, é que o quadro devia glorificar a morte de Juan de Áustria, sepultado no Escorial.
Finalmente, Fernando Marías retoma a idéia da centralidade do Juízo Final na composição e a entende como uma Glória de Filipe II, em emulação com a Glória de Carlos V* por Tiziano. Filipe II seria aí representado assistindo a seu próprio julgamento.
Trata-se provavelmente de uma das primeiras telas de El Greco (1541-1614) desde sua chegada a Toledo, onde o pintor se fixa em 1577.
Luiz Marques
03/04/2010
Bibliografia
1969 – T. Frati, Tout l`oeuvre peint de Greco. Paris, Flammarion, 1981, p. 98
1999 – J. Álvarez Lopera, El Greco. Identity and Transformation. Crete. Italy. Spain. Catálogo da exposição, Madri, Roma, Atenas, p. 379