“Registro inventarial: WAG 1995.326
Segundo a Theogonia de Hesíodo (901), as Parcas e as
Horas são filhas da união de Zeus e Têmis:
“”[Zeus] esposou a brilhante Têmis, mãe das Horas – Eunômine
[Disciplina], Diké [Justiça] e Eirene [Paz], a florescente,
que velam sobre os campos dos homens mortais – e das Parcas,
a quem o prudente Zeus concedeu o mais alto privilégio,
Clôto, Láquesis, Átropos, únicas a dar aos homens sua hora
de ventura e desventura””.
As Parcas ou Moiras tecem o fio da vida do homem e o cortam
a um momento dado. Clôto tece o fio com sua roda e seu fuso,
Láquesis mede-o e Átropos o corta com sua tesoura. O desenho
era outrora atribuído a Parmigianino e suas relações com o
estilo desse pintor foram sublinhadas por Xanthe Brooke.
A atribuição a Andrea Schiavone (1510? – 1563) apóia-se em
semelhanças estilísticas com outras obras do artista
igualmente datáveis desse decênio. Não se conhece a
finalidade deste desenho, mas seu forte sombreamento,
sobretudo nos semblantes, torna plausível a hipótese
sugerida por Xanthe Brooke, segunda a qual se poderia tratar
de um desenho preparatório para uma xilografia em
chiaroscuro, técnica muito apreciada no norte da
Itália e a que Schiavone, originário da Dalmácia, se dedica
com sucesso desde seu estabelecimento em Veneza em finais
dos anos 1530.
Em estreita relação com o tema da Fortuna fatídica, o tema
das Parcas estava, em todo o caso, bastante em voga na
Itália de meados do século. Pode-se imaginar algumas razões
desse fenômeno. Um deles seria a percepção das terríveis
adversidades históricas enfrentadas na península desde o
início das Guerras de Itália. Uma razão coadjuvante poderia
ser a emergência do gênero trágico na dramaturgia italiana
da primeira metade do século XVI, acompanhada por um
verdadeiro surto de edições e comentários da “”Poética”” de
Aristóteles.
Uma terceira razão pode provir da influência do teatro de
corte francês que então absorve grande número de artistas
italianos excepcionais, e irradia-se, por sua vez, de volta
para a Itália. Em 1568, Giorgio Vasari descreve na “”Vida de
Rosso Fiorentino”” que este artista fizera para Francisco I
desenhos diversos inclusive de mascherate, di trionfi e
di tutte l´altre cose che si possono immaginare.
Justamente entre esses desenhos de mascherate contam-
se seus desenhos de costumes para as Parcas, com toda a
probabilidade para uma performance teatral, desenhos muito
difundidos em seguida através de gravuras de Pierre Milan e
possivelmente do próprio Vasari em 1568.
O impressor Claude Bernard, por exemplo, possuía 150
exemplares provavelmente dessa gravura, que ele designa como
Parques masquées, obtidas a partir de uma placa de
cobre datada de 31 de outubro de 1545. De outra gravura a
partir de um desenho mais tardio de Rosso, as assim chamadas
Trois Parques nuees, Claude Bernard possuía, em 1557,
240 impressões.
É possivelmente em resposta à voga francesa das Parcas que
Francesco Salviati propõe em Florença sua obra-prima hoje no
Palazzo Pitti, datável nos anos 1540, e é talvez pela mesma
razão que seu discípulo, Giuseppe Salviati, frequentará
assiduamente o mesmo tema nos anos 1550.
Neste contexto, este desenho de Schiavone ganha um sentido
mais preciso, sobretudo se estiver correta a hipótese de que
se tratava de um desenho destinado à reprodução gráfica.
Ainda em finais do século, a voga das Parcas persiste em
Florença, como o testemunha o desenho de Andrea Boscoli, no
Louvre, possivelmente para uma pintura.
Luiz Marques
13/02/2012
Bibliografia:
1987 – E.A. Carroll, Rosso Fiorentino, Drawings, Prints,
and Decorative Arts. Catálogo da Exposição, Washington
National Gallery, p. 336.
1998 – C. Mombeig Goguel, Francesco Salviati o la Bella
Maniera. Cat. da exposição, Milão: Electa; Paris: RMN, p.
204.
1998 – X. Brooke, Mantegna to Rubens. The Weld-Blundell
Drawings Collection. Catálogo da exposição, Liverpool,
Walker Art Gallery. Londres: Merrel Holberton, pp. 101-102.
2000 – A. Caubet, P. Pouysségur, L.-A. Prat, L´Empire du
Temps. Mythes et Créations, cat. da exposição, Paris: RMN,
p. 70.”