S. Paulo e Dionísio diante do Altar ao Deus desconhecido

Ao iniciar seu tão mal recebido discurso no Areópago de Atenas (Atos dos Apóstolos, 17,22-34), Paulo procura, através de um ardil, captar a benevolência de seu auditório: “Atenienses, sob todos os aspectos sois, eu o vejo, os mais religiosos dos homens. Pois percorrendo a vossa cidade e observando os vossos monumentos sagrados, encontrei até um altar com a inscrição `Ao Deus desconhecido`. Aquele que adorais sem conhecer, eu venho anunciar”.

Os sacrifícios a este altar destinavam-se, na realidade, a aplacar a ira de algum deus ou deuses eventualmente esquecido(s) nas celebrações religiosas. O estratagema de Paulo consiste em interpretar a inscrição (Agnôsto Theo ou, mais provavelmente no plural, Agnôstoi Theoi) como uma obscura antevisão do advento de um deus único, cujo nome seria ainda desconhecido dos atenienses. Cabia a ele revelá-lo.

O tema surge na iconografia com esta obra, talvez um unicum na história da arte. Ela pertence a um ciclo de quatro cenas (conservadas) da Vida de S. Dionísio, o Areopagita (membro do Conselho de Justiça do Areópago), hoje disperso em vários museus. Consoante a lenda, Dionísio (Saint Denis), convertido no Areópago de Atenas, tornar-se-ia o primeiro bispo de Paris, e a célebre basílica régia que leva seu nome seria erigida no local por ele designado, deslocando-se para tanto miraculosamente após sua decapitação. O mesmo Dionísio foi, até o século XII, vale dizer até Abelardo, tradicionalmente identificado com o teólogo sírio neo-platônico de finais do século V ou inícios do VI, discípulo de Proclos e hoje conhecido como Pseudo-Denis o Areopagita.

Para melhor dignificar o santo, Lambert Lombard (1505-1556) não hesita em cometer um flagrante anacronismo, representando Paulo discutindo com o Areopagita em frente do altar em questão, quando o texto dos Atos (17, 34) afirma que este se converteu apenas em um momento posterior, isto é, ao ouvir o discurso de Paulo no Areópago.

O acúmulo enciclopédico e quase exibicionista de elementos do vocabulário clássico na composição – aí incluída, na estátua de Marte (?) ao fundo, uma possível gravura em senso invertido do Apolo do Belvedere – mostra Lombard orgulhoso de sua familiaridade com a cultura antiga mesmo antes de sua estada de alguns meses em Roma, em 1537, no séquito do Cardeal Reginald Pole. Van Mander sublinha, de resto, seus interesses pela antiquarismo e não por acaso, de volta a Liège, Lambert fundará uma Academia que se tornará referência, prática e teórica, para artistas como Frans Floris e Hendrick Goltzius, além do erudito Dominicus Lampsonius (1532-1599), que escreve sua biografia.

Luiz Marques
16/09/2010

Bibliografia:
1565 – Dominicus Lampsonius, Lamberti Lombardi apud Eburones pictoris celeberrimi vita. Bruges. Tradução italiana: Scritti sull`arte. Da van Eyck a Brueghel. Turim, UTET

1604 – Karel van Mander, Schilder-Boeck [Livro da Pintura], Haarlem: Passchier van Westbusch. Tradução italiana: Le vite degli illustri pittori fiamminghi, olandesi e tedeschi, Roma, 2000, p. 166-167

1996 – R. Dalemans, Breughel et son époque. Bruxelas, Artoria, p. 62

Artista

LOMBARD, Lambert (Lambrecht)

Artista

LOMBARD, Lambert (Lambrecht)

Data

1533c.

Local

Bruxelas, Musée de l'Art Wallon

Medidas

desconhecidas

Técnica

Óleo sobre tela

Suporte

Pintura

Tema

Bíblia e Cristianismo

Período

36 - SÉCULO XVI

Index Iconografico

654 - Paulo; 654.9 - Discurso no Areópago; 654.10 - O altar com a inscrição ao Deus desconhecido Tags:

Autor

Luiz Marques

Deixe um comentário