O Alaudista

“Registro inventarial: Purchase, Walter and Leonore Annenberg
Acquisitions Endowment Fund; funds from various donors;
Acquisitions Fund; James and Diane Burke and Mr. and Mrs.
Mark Fisch Gifts; Louis V. Bell, Harris Brisbane Dick,
Fletcher, and Rogers Funds and Joseph Pulitzer Bequest, 2008
(2008.459)

Valentin de Boulogne (1591 -1632) é consensualmente
considerado como o mais importante desdobramento da arte de
Caravaggio na pintura francesa.

Tal como Poussin, Valentin adotou Roma por domicílio
permanente e trabalhou sobretudo para mecenas romanos – tais
como o Cardeal Francesco Barberini, o cardeal Angelo Giori e
Cassiano dal Pozzo, de quem ele pinta o retrato (perdido).
Isto posto, é fato que sua pintura guarda misteriosamente
algo da delicadeza e da “”mesure”” francesa.

Em Roma, Valentin parece estar radicado já em 1611, se a ele
se refere a menção constante num Stati d´anime (censo
de Roma) de um “”Valentino francese””. Ainda em Roma ele se
encontra em 1626 quando é nomeado, juntamente com Poussin,
diretor das festividades do dia de S. Lucas, padroeiro da
Accademia di Belle Arti romana.

Ao contrário de Caravaggio, Valentin conquistou
reconhecimento ilimitado na Urbe com a encomenda
pontifical de um retábulo para a Basílica de S. Pedro,
representando o “”Martírio de SS. Processo e Martiniano””
(Pinacoteca Vaticana).

Este misto de alaudista e de soldado de ventura, vestido à
espanhola com seu colarinho de aço (gorgiera metallica), que
Valentin representa tocando e cantando provavelmente um
madrigal, é típico, ao menos à primeira vista, do “”Et ego in
taberna”” de que fala Roberto Longhi em seus estudos sobre a
cultura caravaggesca.

De fato, embora, Valentin tenha se exercitado na pintura
sacra, o submundo romano, que ele conhece na primeira
pessoa, é evidentemente seu domínio de predileção.

Mas nada há mais aqui da pintura de taberna, da merry
company
da fase anterior, com seus jogadores, soldados,
rufiões e prostitutas num ambiente ruidoso, violento e
intoxicado de cigarro e bebida.

A companhia desertou e tudo foi reduzido a uma espécie de
monólogo cantado. O soldado-alaudista toca sozinho para si
próprio e para o espectador, que ele fita com um olhar de
uma intensidade inquietante. A figura ganha assim quase o
valor de alegoria e, em todo o caso, a solidão grandiosa do
“”Sansão”” do Cleveland Museum of Art e mais ainda do “”Davi””
do Musée des Beaux-Arts de Montréal.

Não por acaso, trata-se da única figura profana que Valentin
representa de corpo inteiro, e não segundo a “”Manfrediana
methodus””, a codificação das composições caravaggescas
proposta por Bartolomeo Manfredi, que recortava o plano ao
nível da cintura das figuras ou pouco abaixo.

O texto do Metropolitan Museum aventa a interessante
conjectura de que esta pintura “”may be self-referential””,
isto é, tenha uma conotação autobiográfica ou, no limite,
autoretratística.

Com esse quadro, Valentin começa a se despedir da temática
que ele herdara de Caravaggio e de Manfredi. Em meados do
terceiro decênio, a representação do milieu da Piazza
di Spagna e adjacências gozava ainda do último favor da
corte romana, gosto que o Cardeal del Monte lançara ao
hospedar Caravaggio em seu palácio, quase trinta anos atrás.

Ao imergir numa pintura de “”interioridade””, Valentin bem
pode estar vivendo esse mal-estar na cultura romana cujas
tensões viriam a rebentar na “”virada”” dogmática de Urbano
VIII, em inícios do decênio seguinte.

A pintura é repertoriada em diversos inventários como
“”Espanhol””, em alusão à sua vestimenta, mas talvez também à
presença tão importante de soldados espanhóis em Roma.

Ela migrou bem cedo para a França, onde figurou na coleção
do Cardeal Mazarin, ao lado de outros 8 quadros de Valentin.

Há várias cópias inventariadas pelo Museu.

Luiz Marques
5/X/2013

Bibliografia:
– Texto do The Metropolitan Museum of New York (em rede)
– Marina Mojana, Valentin de Boulogne, Milão, 1989, Eikonos,
Edizioni, p. 124.

Artista

Valentin de Boulogne

Artista

Valentin de Boulogne

Data

1626circa

Local

New York, The Metropolitan Museum of Art

Medidas

128 x 99 cm

Técnica

Óleo sobre tela

Suporte

Pintura

Tema

Alegorias e Temas Artísticos Morais e Psicológicos

Período

SÉCULO XVII

Index Iconografico

1163 - O Músico e a cena musical; 1164 - O Concerto; 1165 -
Instrumentistas e Cantores Tags:

Autor

Luiz Marques

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