A obra, pertencente ao acervo dos Uffizi (inv. 1890, n. 5130), está em depósito na abadia de Fiesole desde o século XIX. Era atribuída ao pintor genovês Ottavio Semino, mas em 1953 Federico Zeri demonstrou que, na verdade, aquele grande painel havia sido realizado pelo cremonense Bernardino Campi.
O estudioso chegou a essa conclusão provavelmente por perceber as semelhanças existentes entre a obra e a primeira composição realizada por Bernardino até hoje preservada, isto é, a Crucificação afrescada por volta de 1545 na igreja de San Bassiano na cidade de Pizzighettone. Apesar das cruzes com os ladrões terem desaparecido e do espaço ter sido condensado horizontalmente, muitos elementos foram retomados na pintura da abadia fiesolana.
Efetivamente, um exame estilístico revela que, muito mais do que com a pintura genovesa, essa obra apresenta afinidades com os maneiristas flamengos e holandeses e com artistas atuantes em Mântua e Cremona como Giulio Romano, Francesco Primaticcio e Camillo Boccaccino.
De fato, a figura feminina à extrema direita, que ajuda a soerguer a Virgem, claramente foi emprestada de uma pintura de Camillo Boccaccino. Trata-se da obra “A adúltera diante de Cristo”, pintada em 1540 para a igreja de San Sigismondo, em Cremona – onde, de resto, entre 1546 e 1570 Bernardino realizou trabalhos nas capelas de Santa Cecília e Santa Catarina de Alexandria, de São Filipe e São Tiago e de São Jerônimo, além de ter sido o responsável pelos afrescos da cúpula.
O biógrafo de Bernardino, Alessandro Lamo, oferece a descrição de uma obra do artista que parece se ajustar à pintura ora apresentada. Diz ele:
“[Bernardino] pintou para o senhor Tommaso Marino um quadro, que depois foi colocado na Scuola dei Genovesi [de Milão], no qual se vêem Cristo morto na cruz, as Marias e o centurião. Eles parecem exortar esse senhor Tommaso, que aí está tão bem retratado de natural que não lhe falta mais do que a alma na contemplação da crudelíssima morte do Crucificado”.
Além dos personagens mencionados por Lamo, fazem parte desta composição o lanceiro com a esponja embebida no vinagre e vários homens agrupados atrás da cruz. No primeiro plano, fazendo frente ao grupo das Marias, aparece ajoelhado o comitente da obra, Tommaso Marino. De família proveniente de Gênova, Marino assumiu em Milão uma destacada e financeiramente vantajosa posição, sabendo conciliar durante um longo período seus próprios interesses com as expectativas locais, dos franceses e dos espanhóis.
A apresentá-lo a Cristo está seu santo protetor, Tomé, que, como notou Zeri, não tendo outro atributo hagiográfico para designá-lo, estende a mão esquerda no vazio como se a incredulidade estivesse já instigando o indicador a verificar a chaga do divino costado.
Alexandre Ragazzi
14/01/2011
Bibliografia:
1584 – A. Lamo, Discorso di Alessandro Lamo intorno alla scoltura et pittura: dove ragiona della vita e opere in molti luoghi e a diverse prencipi e personaggi fatte dall´eccell. e nobile M. Bernardino Campo, pittore cremonese. Cremona: Christoforo Draconi, p. 57.
1953 – F. Zeri, “Bernardino Campi: una Crocefissione”. Paragone, n. 37, pp. 36-41.
1974 – M. Di Giampaolo, “Aspetti della grafica cremonese per S. Sigismondo: da Camillo Boccaccino a Bernardino Campi”. Antichità Viva, Anno XIII, n. 6, pp. 19-31.
1991 – M. Tanzi, V. Gheroldi, A. Fontanini, Bernardino Campi a Pizzighettone. La Crocefissione in San Bassiano e il suo restauro. Cremona: [s.n.].
1994 – M. Di Giampaolo, “A drawing by Bernardino Campi for the Badia Fiesolana Crucifixion”. Master Drawings, v. 32, n. 4, pp. 380-2.