“O mito é transmitido por Ovídio, Metamorfoses VIII, 215-240.
Ao saber que Teseu escapara do labirinto graças ao auxílio
de Dédalo (seu arquiteto), Minos, rei de Creta, ali o
aprisiona com seu filho, Ícaro.
Valendo-se de penas e de cera, Dédalo constrói asas para si
e para o filho, que lhes permitem voar, mas Ícaro deixa-se
levar pelo entusiasmo do voo e, contrariando o conselho do
pai, ganha tal altura que o sol derrete a cera, desfazendo
suas asas. Ícaro precipita-se no mar.
A obra é considerada por vezes uma cópia e dela se conhece
outra versão, menor (63 x 90 cm), conservada no Musée Van
Buuren em Uccle, perto de Bruxelas. Há ainda uma gravura
inspirada nesta composição.
Possivelmente em virtude de suas ressonâncias morais, a
fábula de Dédalo e Ícaro foi bastante representada na
pintura dos séculos XVI e XVII. No que se refere a Bruegel,
trata-se do único tema mitológico em toda a sua obra.
A queda de Ícaro passa quase desapercebida na paisagem
dominada por uma baía e um porto ao fundo, alusivos
provavelmente a Nápoles (o biógrafo van Mander transmite a
notícia que Bruegel viajou para a Itália provavelmente em
1552-1553). Nos primeiros planos, vêem-se o agricultor que
trabalha em seu arado e o pastor com suas ovelhas. É
possível que a composição encerre uma trama de símbolos
alquímicos e seja também suporte para alguns adágios
populares, tais como “”Nenhum arado para porque morre um
homem””.
Em um dos poemas de “”Musée des Beaux-Arts””, W.H. Auden
(1907-1973), que visitara o Musée Royal des Beaux-Arts de
Bruxelas em 1938, descreve o sentimento de fatalidade e
silenciosa indiferença que se desprende da obra:
About suffering they were never wrong,
The Old Masters; (…)
In Breughel´s Icarus, for instance: how everything turns
away /
Quite leisurely from the disaster; the ploughman may
Have heard the splash, the forsaken cry,
But for him it was not an important failure; the sun shone
As it had to on the white legs disappearing into the green
Water; and the expensive delicate ship that must have seen
Something amazing, a boy falling out of the sky,
had somewhere to get to and sailed calmly on.
(Sobre o sofrimento, eles nunca erram, os Velhos Mestres.
(…) No Ícaro de Brueghel, por exemplo: tudo volta
pacificamente as costas ao desastre; o lavrador terá ouvido
o mergulho, o grito desamparado; mas, para ele, não foi um
fracasso importante; como tinha que ser, o sol brilhava nas
pernas brancas que desapareciam na água verde; e o frágil,
luxuoso barco que terá visto algo espantoso, um rapaz caído
do céu, tinha um destino a atingir e para ele suavemente
navegou).
(tradução adaptada a partir da tradução em versos de José
Alberto Oliveira)
Luiz Marques
23/11/2011
Bibliografia
1967 – P. Bianconi, L´Opera completa di Bruegel. Com uma
Introdução de G. Arpino. Milão: Rizzoli, p. 92″