É talvez mais difícil, hoje, calcular em sua plenitude o impacto intelectual da Escola de Atenas de Rafael que seu impacto propriamente artístico.
Em ternos intelectuais, ao menos dois pontos devem ser considerados:
1. Em 1568, Vasari define-o como “una storia quando i teologi accordano la filosofia e l`astrologia con la teologia” (uma história em que os teólogos põem em acordo a filosofia e a astrologia com a teologia). Observadas com um recuo de mais de cinquenta anos, como é então o caso de Vasari, as cenas em contraposto da Stanza della Segnatura apareciam, com efeito, como a mais audaciosa e sistemática tentativa de incorporação da sapiência pagã no organismo doutrinário do cristianismo. Esta concordância começaria a dar sinais de crise já a partir do segundo decênio do século e tenderia a se esboroar na segunda metade do século, em especial com os afrescos de Zuccari em Caprarola.
2. Embora Aristóteles compareça no afresco ao lado de Platão, é evidente que se reservava às “altas visões de Platão” (alta specta Platonis, como a define Gianfrancesco Pico della Mirandola em um poema de 1512) a posição de destino supremo da filosofia, prerrogativa que bem se acusava já no fato de que, como observa Perrig [1986:25], “o ponto de fuga de toda a pirâmide visual toca o pulso esquerdo de Platão, e, com isso, indiretamente, seu Timeu, o livro em que a Idade Média e o Renascimento perceberam a confirmação do relato bíblico do Gênese”. Tal centralidade decorria, de resto, da própria proeminência – antiga, patrística e escolástica -, da teologia e da metafísica sobre a ética. Se é programática aqui a concórdia entre os dois filósofos, esta é obtida observando-se a hierarquia dos saberes, no âmbito da qual era indubitável a hegemonia de Platão, humanae divinaeque Philosophiae celeberrimus antistes (celebérrimo sacerdote da Filosofia humana e divina), como afirma a inscrição sob sua imagem* (por Pedro Berruguete, com a colaboração de Justus von Gent?), na galeria dos Uomini famosi de Urbino, hoje no Louvre.
Luiz Marques
13/07/2010
Bibliografia
1986 – A. Perrig, “Masaccios Trinità und der Sinn der Zentralperspektive”. Marburger Jahrbuch für Kunstwissenschaft, 21, 1986, pp. 11-43
1997 – G. Reale, Raffaello, La “Scuola di Atene”. Roma, Rusconi