A parábola do Bom Samaritano (Lc 10,29-37) é retomada no
século XIX por diversos pintores, entre os quais Delacroix,
em duas versões (1849 e 1852), e Van Gogh que, em 1890,
recria Delacroix em uma de suas mais flamejantes pinturas,
hoje no Kroller-Mueller Museum (Otterlo, Holanda).
Ferdinand Hodler (1853-1918) elabora duas versões
radicalmente diferentes do tema, sendo a presente obra a
primeira delas, executada num tour de force do
desenho em escorço e de anatomia, quase uma exibição de sua
perícia técnica, aprimorada com Barthélemy Menn, herdeiro da
disciplina do ateliê de Ingres.
É marcante o contraste entre, de um lado, o foco expressivo
no semblante do Bom Samaritano, cuja potência plástica e a
intensidade sentimental ocupam o primeiríssimo plano da
cena, e, de outro, a vulnerabilidade e a fragilidade da
nudez da vítima. E, entretanto, o sentimento comum de
proximidade e de identificação compassiva – de que trata a
parábola – é garantido por uma evidente unidade tonal, um
continuum unificante de tonalidades rosa e salmão.
Se é verdade que há uma constante demanda religiosa na
poética de Hodler – no ano anterior ao de sua morte, ele
dirá: “basicamente, nunca pintei senão obras religiosas” -,
não é menos verdade que raramente esta inclinação religiosa
toma, como é aqui o caso, a forma de um tema bíblico
preciso.
Luiz Marques
28/10/2011
Bibliografia
1982 – S. L. Hirsch, Ferdinand Hodler, Londres: Thames and
Hudson, pp. 62