“A datação é incerta e o é também o tema representado na
face anterior deste que é chamado o Sarcófago de Agilbert,
um dos sarcófagos conservados na cripta merovíngia de Saint-
Paul em Jouarre (Île-de-France, Seine-et-Marne).
A basílica funerária desta cripta, consagrada a S. Paulo
Hermita, desapareceu no século XV, mas a cripta permanece um
documento excepcional do período merovíngio. Este magnífico
espaço articulado em três naves –
(vide: http://fr.topic-topos.com/crypte-saint-paul-jouarre)
– conserva os sarcófagos considerados dos fundadores do
complexo abacial: o venerável Adon, fundador da abadia entre
630 e 637 (sob a regra de S. Columbano), Theodechilde,
primeira abadessa, que adota a regra beneditina, e seu
irmão, Agilbert, bispo de Winchester e, depois, de Paris,
morto em 672.
Uma frisa com relevos muito fragmentários representa
diversas figuras de pé, vestidas com um perizonium e
uma faixa sobre o peito. Elas levam as mãos ao alto, em
sinal de êxtase, clamor ou oração.
Ao centro, senta-se sobre o trono o Cristo com o nimbo
cruciforme. Ele segura com a esquerda um longo rolo,
presumidamente, segundo se cogitou, contendo as boas e más
ações dos homens. Sobre sua cabeça voa um anjo que abençoa a
primeira figura à sua direita. No canto esquerdo do relevo,
tende-se a reconhecer um anjo com a trompa.
Tais são os elementos figurativos que induzem a identificar
nestas personagens de pé os ressuscitados do último dia: de
um lado, os beatos sobre os quais o anjo apõe a mão; do
outro, os danados, à esquerda do Cristo.
Tratar-se-ia, assim sendo, de uma primeira representação do
Juízo Final, interpretação reforçada pelo fato que na face
menor deste sarcófago conserva-se, em melhores condições, um
relevo com o Cristo no trono circundado por uma mandorla
entre os Tetramorfos, isto é, uma Maiestas Domini de
tipo apocalíptico e de importação bizantina, talvez graças à
mediação de Teodoro de Tarso.
A favor de tal identificação se manifestam, por exemplo,
Jean Hubert (1967), Bailey K. Young (1986), Paul Binsky
(1996) e a documentação da Réunion des Musées Nationaux.
Yves Christe (2000) considera, entretanto, tais elementos
insuficientes para caracterizar este relevo como um Juízo
Final. Para ele, tratar-se-ia dos eleitos da primeira
ressurreição, “”o equivalente dos mártires sob o altar
mencionados no Apocalipse de João (6,9-11)””. O autor
remete assim este relevo à revelação do quinto selo:
Et cum aperuisset quintum sigillum, vidi subtus altare
animas interfectorum propter verbum Dei et propter
testimonium, quod habebant. 10 Et clamaverunt voce magna
dicentes: Usquequo, Domine, sanctus et verus, non iudicas et
vindicas sanguinem nostrum de his, qui habitant in terra? 11
Et datae sunt illis singulae stolae albae; et dictum est
illis, ut requiescant tempus adhuc modicum, donec impleantur
et conservi eorum et fratres eorum, qui interficiendi sunt
sicut et illi.
“”Quando abriu o quinto selo, vi sob o altar as vidas dos que
tinham sido imolados por causa da Palavra de Deus e do
testemunho que dela tinham prestado. E eles clamaram em alta
voz:
´Até quando, ó Senhor santo e verdadeiro, tardarás a fazer
justiça, vingando nosso sangue contra os habitantes da
terra?´
A cada um deles foi dada, então, uma veste branca (stola
alba) e foi-lhes dito, também, que repousassem por mais
um pouco de tempo, até que se completasse o número de seus
companheiros e irmãos, que iriam ser mortos como eles””.
A contiguidade com uma Maiestas Domini e, sobretudo,
a faixa transversal sobre o peito das figuras de pé que pode
ser identificada com a stola alba a que se
refere o texto do Apocalipse reforçam a interpretação do
autor, que arremata: “”A confusão em que se cai com
frequência entre Maiestas Domini e a aparição do
Cristo ao final dos tempos induziu a pesquisa a uma
interpretação da obra como um Juízo Final, totalmente
hipotética, além de pouco satisfatória””.
A convincente proposta de Yves Christe acerca do tema deste
relevo impede que se antecipe para finais do século VII a
primeira representação propriamente dita do Juízo Final.
Da mesma maneira, dois manuscritos irlandeses ou insulares
datáveis de 700c. (Turim, Ms. O.iv.20 e Saint-Gall, Cod. 51)
tampouco conteriam, segundo o autor, representações do Juízo
Final.
Luiz Marques
20/11/2011
Bibliografia:
1967 – J. Hubert, L´Europe des Invasions. Paris, L´Univers
des formes, pp. 72-74.
1976 – W. E. Kleinbauer, “”Les cryptes de Jouarre by Marquise
de Maillé””. Speculum, 51, pp. 118-120.
1986 – B. K. Young, “”Exemple aristocratique et mode
funéraire dans la Gaule mérovingienne””. Annales. Histoire,
Sciences Sociales, 41, 2, pp. 379-407.
1996 – P. Binsky, Medieval Death. Ritual and representation.
Cornell University Press, p. 80.
2000 – Y. Christe, Il Giudizio universale nell´arte del
Medioevo. ed. italina aos cuidados de M.G. Balzarini. Milão:
Jaca Book, pp. 16-17.”